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12 de outubro de 2010

De como me reconheci nesse filme

Já decorei alguns números de sequências. No começo achei estranho, isso não é de se esperar de mim. Mas as vezes cansa esperar, e comecei a entender como era bom saber dos números! Que até os números são parte daquilo sobre o qual me debrucei durante muito tempo, logo que entrei no filme: o roteiro - que contém uma história, mas que traz também tinta, e páginas, e letras miúdas, formatação. e números.

Depois de
 análisetécnicalinhadotempodecupagemdeambienteslistadeobjetoslistadecenografialistadepinturalistadeefeitosefogueiralistadeadereçosprops, o filme me habita. Corrijo, o roteiro me habita. Ou eu a ele, algo assim. Mas conhecer cada detalhe - ainda que alguns sejam mais claros, outros bem desfocados - possibilita reviver o roteiro sempre que é preciso, ou desejado -  quantos ao relento? muitos, imagino.
 
Já decorei alguns numeros de sequências, mas nem por isso esqueci que na minha primeira leitura, quando eles se abriam como cortinas, seguidos de cornetas que eram os títulos entre parênteses. A história se mostrava, e de alguma forma o fazer também: o carinho com a escrita e o cuidado com quem lê.
 
Em férias, esticada ao sol, numa paisagem em que era possível colocar nossos personagens, esticá-los também n'algum canto daquele cerrado imenso, colorido de ocre, barroco de palha e galho seco. Passei o dia com eles. No cerrado se lê com mais força, me pareceu. E criei um espelho pra entender a história.
 
E li uma condessa medieval, desse tempo em que uma terra prosperava quando um rei prosperava, em que as colheitas dependiam de sua saúde, em que esse rei tinha nas mãos o toque milagroso da cura.  O corpo do rei era o reino. A Condessa, por mais que renegue a terra em que pisa, o ar que respira, é ligada àquela propriedade por laços que transcendem a relação de uso de um espaço. Não é a toa que a casa tem uma luz própria, uma respiração gelada, uma vegetação discrepante de todo entorno árido...
 
A Condessa me parecia então, um amor tirano, apegado, possessivo, dramático, insatisfeito. Um amor que suga toda energia, que nos rouba os sentidos, que tortura, que sugere o auto-flagelo, a omissão. um amor cego.
 
E dos ciganos, do universo de Kaia, do universo original de Reka, me ficou muito forte essa poeira que fazia fumaça na estrada, o tempo todo, além das labaredas que voltavam sempre a aparecer.  São miudezas que vem da terra, do fogo, além dos ventos e orvalhos e rios, chuva. O que os ciganos retém da terra é apenas o transitório: a chuva que seca, o vento que acalma, a fagulha que sobe, a poeira que vôa. O Reino, aí, é o firmamento.
 
Esse amor era outro, então: confiante, esperançoso, paciente, arejado, perseverante. Um amor que nutre, que sabe esperar, que sabe ser na distância, na memória, fluido, transitório, que sugere a reconexão com o que temos de mais profundo, mais primário na nossa formação, um formato de amor de criança, de brincadeira.

 E então, os dois amores antagônicos, aquilo que enxergo em Kaia e Condessa quando me coloco nos olhos de Reka, moram num mesmo corpo, o amor por si só é duplo, tanto pela contradição que causa nos sentimentos, quanto por sua natureza emparelhada. Que o dificil é a síntese. Por que Reka viveu os dois amores. Mas ela só toma um caminho quando a estória faz a síntese. E com duas personagens habitando o mesmo corpo, só se pode fazê-las encontrarem-se fisicamente pelo olhar. Kaia e Condessa se fundem ali, de alguma forma. participam do amor de Reka. Fazendo os dois amores encararem-se, humanizam-se, tornam-se um só.
 
E eu já decorei os tais números, mas percebi que desde que comecei a fazer o filme - que profissionalmente, me pareciam um grande desafio: organização, concentração, informação - pude também experenciar um tipo de tarefa que sempre achei árdua, de uma forma bastante nova, criativa inclusive. Criar estratégias, criar lógicas de preparação e organização e reviver cada sequencia, personagem, objeto, detalhe. E fazer também uma síntese: da produtividade com a sonho, que descobri, andam mais próximos do que parecem...
re-aprendendo, re-definindo, re-desenhando. reconhecendo
 é tão bom.

Maíra Mesquita

6 comentários:

  1. Oi,sou estudante de Audiovisual no Senac, me formo mês que vem, tenho gnd interesse no projeto, já fiz um pouco com produção e arte, edição. Tenho disponibilidade no momento e tb de deslocamento para a cidade em que forem feitas as filmagens. Poderia enviar me currículo para vcs?Obrigada, Carolina.

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  2. Meu email é carol_pandolfi@hotmail.com, obrigada.

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  3. Ju, acabei de revisitar o blog. Reli os textos antigos e li os novos. Penetrar no universo do filme através dos textos é algo fantástico que tem me emocionado muito. Que escrita forte, bela e apaixonada! Parabéns a todos vocês!

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  4. que lindo, ma!

    (doido para me unir ao relento)

    acauã sol

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