Acontece que um dia ela sentiu uma saudade tão grande de uma vida que já não lembrava ter sido sua que acordou muito antes do galo cantar e não dormiu mais. Seus olhos foram inchando, sua boca crescendo e caindo até que uma flechada atravessou seu coração e ela disparou a correr.
Descalça, sem medo de nada, atravessou sete montes e serras e avistou um rio largo e forte. "São Francisco! Abençoe minha busca, ajudai-me a reencontrar minha família".
Sua voz fez eco e a voz de muitas mulheres ecoaram sobre a sua, fugindo pelo vale que conduzia ao rio.
A mulher, desconfiada das noites não dormidas desceu até o rio e bebeu em concha, toda a água que pode.
O rio refletia sonhos de quando era menina. Sonhos de ouro em lugar de lama, sonhos de festa em lugar de silêncio. Embalada pelas vozes e pelas miragens, a mulher dormiu no leito do rio e boiou com a correnteza até chegar numa curva tão fechada, que acordou toda molhada, só com a cara seca, torrada de sol.
Ela levantou a cabeça e olhou em volta, foi até a margem e sorriu.
Toda a água que tinha bebido saiu pelos seus olhos. Na frente dela estava estampado e colorido um acampamento cigano. Forte, explosivo e real.
Tinha fogo, tinha fumaça, tinha criança, tinha cachaça. Tinha porco, bola, gude, velhos, bigodes, charadas, mel, olhos grandes e vivos, tão vivos que assustavam os quase sem vida.
Não era o caso da nossa mulher, ela tinha esses mesmos olhos e não se espantou com aquela quantia de vida. Era sua também, e estava em tempo de retomá-la.
Era rio, era água, era todo sempre asas.
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