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4 de outubro de 2010

outras vidas nessa mesma

Era uma vez uma mulher que há muito tempo já morava longe de sua família. Não fosse por um sono profundo que lhe tombava os olhos assim que o sol se punha e uma energia imensa que a arrancava da cama antes mesmo do sol nascer, essa mulher nunca teria desconfiado de sua origem.
Acontece que um dia ela sentiu uma saudade tão grande de uma vida que já não lembrava ter sido sua que acordou muito antes do galo cantar e não dormiu mais. Seus olhos foram inchando, sua boca crescendo e caindo até que uma flechada atravessou seu coração e ela disparou a correr.
Descalça, sem medo de nada, atravessou sete montes e serras e avistou um rio largo e forte. "São Francisco! Abençoe minha busca, ajudai-me a reencontrar minha família".
Sua voz fez eco e a voz de muitas mulheres ecoaram sobre a sua, fugindo pelo vale que conduzia ao rio.
A mulher, desconfiada das noites não dormidas desceu até o rio e bebeu em concha, toda a água que pode.
O rio refletia sonhos de quando era menina. Sonhos de ouro em lugar de lama, sonhos de festa em lugar de silêncio. Embalada pelas vozes e pelas miragens, a mulher dormiu no leito do rio e boiou com a correnteza até chegar numa curva tão fechada, que acordou toda molhada, só com a cara seca, torrada de sol.
Ela levantou a cabeça e olhou em volta, foi até a margem e sorriu.
Toda a água que tinha bebido saiu pelos seus olhos. Na frente dela estava estampado e colorido um acampamento cigano. Forte, explosivo e real.
Tinha fogo, tinha fumaça, tinha criança, tinha cachaça. Tinha porco, bola, gude, velhos, bigodes, charadas, mel, olhos grandes e vivos, tão vivos que assustavam os quase sem vida.
Não era o caso da nossa mulher, ela tinha esses mesmos olhos e não se espantou com aquela quantia de vida. Era sua também, e estava em tempo de retomá-la.
Era rio, era água, era todo sempre asas.




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