fonte da matéria original: blog do Estadão
"A húngara Erzsébet Báthory (1560- 1614), personagem central de A Condessa Sangrenta (Tordesilhas), de Alejandra Pizarnik, chega em breve ao cinema nacional. Ao Relento, que a diretora Julia Zakia acaba de filmar, tem personagem inspirada na mesma figura histórica que Pizarnik recupera no romance recém-lançado no Brasil. Georgette Fadel (à esq. na foto) vive uma versão da condessa, que, reza a lenda, tinha como segredo de beleza tomar banho com o sangue de jovens que mandava matar."
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28 de junho de 2011
5 de junho de 2011
Matéria na GAZETA DE ALAGOAS- esse domingo.
3 de junho de 2011
escritos Georgette Fadel 3
3.
Uma criança fica pra trás, coberta por uma mantinha de lã, ao relento.
Uma cigana viaja pra encontrar outra cigana, ao relento.
A mulher dentro de casa , dentro da carroça-carruagem, sob a peruca, ao relento.
Todos nós, sob as estrelas, protegidos e vulneráveis, ao relento.
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Uma criança fica pra trás, coberta por uma mantinha de lã, ao relento.
Uma cigana viaja pra encontrar outra cigana, ao relento.
A mulher dentro de casa , dentro da carroça-carruagem, sob a peruca, ao relento.
Todos nós, sob as estrelas, protegidos e vulneráveis, ao relento.
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2 de junho de 2011
escritos Georgette Fadel 2
2.
Então aqui uma primeira memória dura na hora, agora bem molinha que aconteceu em Mostar, na Bósnia. A gente tinha ido pra lá pra ir ao encontro da guerra, das marcas da violência e para achar e conhecer uns ciganos, a Julia tinha notícias que eram muitos. Calor real, muito, muito, muito. Chegamos e já percebemos que a mulher com quem estava combinada a hospedagem queria nos vender gato por lebre, já rolou uma pequena briga porque ela não se conformava de ter reservado pra gente e a gente de repente não querer ficar, e a gente dizendo que o quarto reservado era outro e tal. Bom, a cidade linda nos acalmou. E comida boa, mesquitas e ruazinhas de pedra. Mas os prédios e portões e até o asfalto, varados de tiros. Buracos. Muitas casas condenadas, destruidíssimas. As praças (muitas, né Julia?) eram cemitérios, com túmulos com a mesma data, mesmo ano 92,93 ?? Mas os bancos e o coreto e a geometria toda da praça ali e a sua função inclusive, de praça, também mantida: pessoas passeando, sentadas nos bancos , conversando, rindo e tudo mais, diante dos túmulos.
Bom, e aí então, instaladas num hotel mais território neutro e menos casa da louca-mulher, começamos nossas “investigações”. Fomos, quando chegou a noite, tomar um café (aqueles inesquecíveis cafés turcos servidos em praticamente baldes ou naquelas xícarazinhas e bulezinhos tão especiais) com um cigano jovem nas margens daquele deslumbrante rio azul-esmeralda Neretva ( a Julia vai me corrigindo e acrescentando, certo?). O moço era nosso “jacaré”, nossa ponte com os ciganos (os muitos). Combinamos encontro para o dia seguinte. Ele nos levaria, nos faria felizes com a missão realizada redondinha. Nada. No dia seguinte, quente , quente, quente, com câmera, figurinos e outras coisinhas fomos literalmente para a estrada. Quilômetros . O cara nos deu o cano e sumiu, resolvemos ir por conta própria. Chegou num ponto que as duas estavam BEM cansadas e torradas, mas a idéia da empreitada ter sido em vão, o ter que dormir com isso também era doloroso. Não achamos nada.
Paramos pra ter o alívio da coca com gelo num meio que posto meio que lanchonete da estrada. As duas meio que sem se falar, a coisa toda dentro de mim se transformando numa raiva pela Julia estar insistindo em continuar na busca perdida ao mesmo tempo sem querer assumir o meu “já deu”… sol quentíssimo de verdade. Andamos mais um pouco, aí já com a hostilidade sem se disfarçar, eu andando longe dela, ela meio que sem defesa, aceitando. Não sei no que ela estava pensando . No inverno, um tempo antes a gente teve uma volta para um hotel bem na ranzinzisse também, não tanto quanto essa que agora narro. Foi de frio. As duas congelando depois de uma tarde linda de imagens-quadros que a gente adorou (o perfil da moeda, o trompete com sanguinho na mão, coisinhas que foram devagar dando substância aos nossos corações), caminhando lado a lado mas mudas. Chegamos no quarto, nossos dedos dos pés tinham colado uns nos outros, colamos no aquecedor e reatamos a amizade. Enfim, voltando à saga do verão, depois de um tempo ela mesma desistiu de achar o “mar de ciganos” e resolvemos voltar. Frustração. Depois de mais algumas horas retornando, as duas indignadas com o nenhum resultado, resolvemos fazer a qualquer custo, em qualquer lugar, de qualquer jeito, a cena da guerra, a cena da mina no chão (toda essa história mais literal e de denúcia da guerra acabou virando nas mãos sensatas da Julia um curta muito amado chamado Pedra Bruta).
Nós estávamos em guerra. Não sei se a gente sacou isso na hora, mas o fato era que naquele momento, eu estava em guerra então era vida ou morte, era possível me ralar nas pedras, algum sangue tinha que rolar. E olha que depois de uns dias, a gente de novo em busca da guerra, da cena do colar estourando, do lançamento de granadas invisíveis no meio de umas pedras cortantes, e a Julia fatiou a ponta do dedão do pé. Sangue. As coisas têm preço. E isso é bom. As cenas ficaram muito lindas, a maioria não vai entrar no filme, mas ajudaram a gente a ir entendendo a poesia que a gente queria construir, o espírito dela.
Então aqui uma primeira memória dura na hora, agora bem molinha que aconteceu em Mostar, na Bósnia. A gente tinha ido pra lá pra ir ao encontro da guerra, das marcas da violência e para achar e conhecer uns ciganos, a Julia tinha notícias que eram muitos. Calor real, muito, muito, muito. Chegamos e já percebemos que a mulher com quem estava combinada a hospedagem queria nos vender gato por lebre, já rolou uma pequena briga porque ela não se conformava de ter reservado pra gente e a gente de repente não querer ficar, e a gente dizendo que o quarto reservado era outro e tal. Bom, a cidade linda nos acalmou. E comida boa, mesquitas e ruazinhas de pedra. Mas os prédios e portões e até o asfalto, varados de tiros. Buracos. Muitas casas condenadas, destruidíssimas. As praças (muitas, né Julia?) eram cemitérios, com túmulos com a mesma data, mesmo ano 92,93 ?? Mas os bancos e o coreto e a geometria toda da praça ali e a sua função inclusive, de praça, também mantida: pessoas passeando, sentadas nos bancos , conversando, rindo e tudo mais, diante dos túmulos.
Bom, e aí então, instaladas num hotel mais território neutro e menos casa da louca-mulher, começamos nossas “investigações”. Fomos, quando chegou a noite, tomar um café (aqueles inesquecíveis cafés turcos servidos em praticamente baldes ou naquelas xícarazinhas e bulezinhos tão especiais) com um cigano jovem nas margens daquele deslumbrante rio azul-esmeralda Neretva ( a Julia vai me corrigindo e acrescentando, certo?). O moço era nosso “jacaré”, nossa ponte com os ciganos (os muitos). Combinamos encontro para o dia seguinte. Ele nos levaria, nos faria felizes com a missão realizada redondinha. Nada. No dia seguinte, quente , quente, quente, com câmera, figurinos e outras coisinhas fomos literalmente para a estrada. Quilômetros . O cara nos deu o cano e sumiu, resolvemos ir por conta própria. Chegou num ponto que as duas estavam BEM cansadas e torradas, mas a idéia da empreitada ter sido em vão, o ter que dormir com isso também era doloroso. Não achamos nada.
Paramos pra ter o alívio da coca com gelo num meio que posto meio que lanchonete da estrada. As duas meio que sem se falar, a coisa toda dentro de mim se transformando numa raiva pela Julia estar insistindo em continuar na busca perdida ao mesmo tempo sem querer assumir o meu “já deu”… sol quentíssimo de verdade. Andamos mais um pouco, aí já com a hostilidade sem se disfarçar, eu andando longe dela, ela meio que sem defesa, aceitando. Não sei no que ela estava pensando . No inverno, um tempo antes a gente teve uma volta para um hotel bem na ranzinzisse também, não tanto quanto essa que agora narro. Foi de frio. As duas congelando depois de uma tarde linda de imagens-quadros que a gente adorou (o perfil da moeda, o trompete com sanguinho na mão, coisinhas que foram devagar dando substância aos nossos corações), caminhando lado a lado mas mudas. Chegamos no quarto, nossos dedos dos pés tinham colado uns nos outros, colamos no aquecedor e reatamos a amizade. Enfim, voltando à saga do verão, depois de um tempo ela mesma desistiu de achar o “mar de ciganos” e resolvemos voltar. Frustração. Depois de mais algumas horas retornando, as duas indignadas com o nenhum resultado, resolvemos fazer a qualquer custo, em qualquer lugar, de qualquer jeito, a cena da guerra, a cena da mina no chão (toda essa história mais literal e de denúcia da guerra acabou virando nas mãos sensatas da Julia um curta muito amado chamado Pedra Bruta).
Nós estávamos em guerra. Não sei se a gente sacou isso na hora, mas o fato era que naquele momento, eu estava em guerra então era vida ou morte, era possível me ralar nas pedras, algum sangue tinha que rolar. E olha que depois de uns dias, a gente de novo em busca da guerra, da cena do colar estourando, do lançamento de granadas invisíveis no meio de umas pedras cortantes, e a Julia fatiou a ponta do dedão do pé. Sangue. As coisas têm preço. E isso é bom. As cenas ficaram muito lindas, a maioria não vai entrar no filme, mas ajudaram a gente a ir entendendo a poesia que a gente queria construir, o espírito dela.
1 de junho de 2011
sobre o filme, escritos de Georgette Fadel 1
Há algum tempo venho pedindo para a Georgette Fadel, grande amiga, musa inspiradora e atriz principal desse filme, escrever ou rever seus diários para dividir aqui um pouco mais do que foi fazer o filme e onde ele cabe, dentro dela. Com muita alegria, recebi hoje escritos, em três partes. Então, vou publicá-los aqui, em três dias. Começo do começo:
Com vocês, Georgette Fadel 1 :
"Tanto tempo e tantas coisas estão contidas nesse trabalho, estivemos ao relento tanto tempo, sob tantos aspectos que só começando - pra um dia terminar- de contar.
Uma cigana e uma condessa, Julia disse. Uma cigana livre, uma condessa sanguinária. Estou há anos convivendo com essas duas. Voltas no quarteirão do conjunto Nacional antes e depois do filme Estamira, muitos sonhos. As primeiríssimas imagens no Vale dos Lagos, em Campinas na beira da estrada, em super 8 (nosso formato!).
E depois de tudo, ainda nem sei de nada sobre o que será…sou atriz de teatro, faço e já é visto. Aqui, nem sei de nada … ao relento. Sei quem é a Julia, a gente se dá tão bem que até dá um nervoso. A vontade de criar juntas, imensa, foi levando devagar a essa história de amizade que é esse filme.
A ciganinha Kaia e sua amiga mais nova Reka separadas por um pesadelo (chamada possível para a sessão da tarde, hein, gente??) A ciganinha Reka “raptada” pela condessa, um duplo sombrio e patético de Kaia.
Uma busca e um reencontro. Julia Reka, eu Kaia e condessa.
“E viu que ele mesmo era a princesa que dormia.”
Entre nós , muitos amores. Os ciganos de Alagoas, longa e terníssima e dialética história a ser contada com muita calma. Coisas vividas que para mim já são riquezas tão grandes que se o filme for bonito é lucro, gente! Ok, eu quero muito que ele seja bonito.
Tudo que foi vivido, visto e sentido na Sérvia, no frio e no calor, foi na minha vida uma janela. Liberdade e criação. Com amor.
Os companheiros que começaram a chegar. Paulínia (um livro) e Piranhas e Tapera, puta que pariu, tanta coisinha, aqueles papos com aquele cavalheiro Adrian na beira do Rio-benção me ensinando a viver melhor, me ensinando segredinhos eternos sobre amor e cinema, os vizinhos da direita (Siva e Ebony) chiques, úteis e fofos, a comida, os filhotes da Lu, a Lu, o marido muito lindo e animado da Lu, os filadores de café da manhã (mas gatos então tudo bem) Acauã e Jerry, a musa Tanaka, as casas afastadas da diretoria mais tarde conquistadas, incorporadas e completamente dominadas pela Senzala, e os meninos distantes, tão difíceis de alcançar, a testosterona do grupo dividida em duas casas realmente afastadas, jaula de leões, cometendo ações inenarráveis e inimagináveis, as meninas e os caras da produção que deviam se esconder da gente na cidade vizinha liderados pelo francês mais engraçadinho que eu conheço , a equipe alto nível e descoladíssima da arte, os heróis que toda mulher sonha pra si : Guile e Gnomo, os amigos do MST, os amigos sertanejos em especial seu Zé de Dirceu… e finalmente, o último a chegar e último a sair, o destemido Gusmão-Gu Ramalho: o violão salvação no entardecer. E tem mais…"
(vou procurar uma foto à altura dessas primeiras memórias...prometo ser rápida)
Com vocês, Georgette Fadel 1 :
"Tanto tempo e tantas coisas estão contidas nesse trabalho, estivemos ao relento tanto tempo, sob tantos aspectos que só começando - pra um dia terminar- de contar.
Uma cigana e uma condessa, Julia disse. Uma cigana livre, uma condessa sanguinária. Estou há anos convivendo com essas duas. Voltas no quarteirão do conjunto Nacional antes e depois do filme Estamira, muitos sonhos. As primeiríssimas imagens no Vale dos Lagos, em Campinas na beira da estrada, em super 8 (nosso formato!).
E depois de tudo, ainda nem sei de nada sobre o que será…sou atriz de teatro, faço e já é visto. Aqui, nem sei de nada … ao relento. Sei quem é a Julia, a gente se dá tão bem que até dá um nervoso. A vontade de criar juntas, imensa, foi levando devagar a essa história de amizade que é esse filme.
A ciganinha Kaia e sua amiga mais nova Reka separadas por um pesadelo (chamada possível para a sessão da tarde, hein, gente??) A ciganinha Reka “raptada” pela condessa, um duplo sombrio e patético de Kaia.
Uma busca e um reencontro. Julia Reka, eu Kaia e condessa.
“E viu que ele mesmo era a princesa que dormia.”
Entre nós , muitos amores. Os ciganos de Alagoas, longa e terníssima e dialética história a ser contada com muita calma. Coisas vividas que para mim já são riquezas tão grandes que se o filme for bonito é lucro, gente! Ok, eu quero muito que ele seja bonito.
Tudo que foi vivido, visto e sentido na Sérvia, no frio e no calor, foi na minha vida uma janela. Liberdade e criação. Com amor.
Os companheiros que começaram a chegar. Paulínia (um livro) e Piranhas e Tapera, puta que pariu, tanta coisinha, aqueles papos com aquele cavalheiro Adrian na beira do Rio-benção me ensinando a viver melhor, me ensinando segredinhos eternos sobre amor e cinema, os vizinhos da direita (Siva e Ebony) chiques, úteis e fofos, a comida, os filhotes da Lu, a Lu, o marido muito lindo e animado da Lu, os filadores de café da manhã (mas gatos então tudo bem) Acauã e Jerry, a musa Tanaka, as casas afastadas da diretoria mais tarde conquistadas, incorporadas e completamente dominadas pela Senzala, e os meninos distantes, tão difíceis de alcançar, a testosterona do grupo dividida em duas casas realmente afastadas, jaula de leões, cometendo ações inenarráveis e inimagináveis, as meninas e os caras da produção que deviam se esconder da gente na cidade vizinha liderados pelo francês mais engraçadinho que eu conheço , a equipe alto nível e descoladíssima da arte, os heróis que toda mulher sonha pra si : Guile e Gnomo, os amigos do MST, os amigos sertanejos em especial seu Zé de Dirceu… e finalmente, o último a chegar e último a sair, o destemido Gusmão-Gu Ramalho: o violão salvação no entardecer. E tem mais…"
(vou procurar uma foto à altura dessas primeiras memórias...prometo ser rápida)
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